A Moça Gorda


Com os olhos vidrados no cantor ela sentiu medo. Seu amor era risco, ela estava em evidente perigo. O medo latejou. Ela levantou novamente a cabeça e retornou o olhar para ele, lá em cima, tão acima, no palco rodeado de mulheres apaixonadas, mas diante daquele tumulto que se formava em tordo dele de mulheres lindas e dispostas, o cantor menosprezava. Ele olhava fixamente para a bela fotografa ao lado do palco, sempre capturando seus olhares, sempre roubando seus melhores ângulos. Ele direcionava-lhe sua atenção ao cantar letras românticas, ela, a fotografa, respondia a cada olhar, sorria, respondia ignorando, comentava com a amiga, sempre ali, ao lado do homem mais desejado naquele instante, recebendo todos os seus olhares sinceros. Era para ela que ele cantava, não para a moça gorda que tentava se aproximar de seu amado. Em um segundo seu contentamento se esvaiu, a moça gorda percebeu que seu amor não iria conseguir vê-la nesta noite, ele só desejava a bela fotografa, e a moça sabia que de bela nada tinha. Seus olhos pesaram, sua boca secou, ela não soube reagir. “Oh! Que dor, ele me traiu”. Não soube como lidar com o ciúme que sentira, ela estava culpando o homem que não lhe conhece por traição. “Sentimento cruel o que me toma!”. As canções lhe penetravam o ouvido em forma de facas, era doloroso finalmente descobrir que as músicas tinham endereço, “eram para outra mulher, nunca seriam para mim”, ela abaixou a cabeça e olhou para o cantor novamente, olhou para a fotógrafa, como era linda! A dor cresceu, agora ela sentiu uma amargura da qual havia se livrado, uma amargura de existir, estava voltando, “oh, não, vai embora sentimento cruel”. De repente, sem conseguir reagir, ela se percebeu mais uma vez sofrendo por se sentir tão pior que todas as outras mulheres, era sua eterna mágoa de ser. Não tem jeito, não há artifício que mantenha por muito tempo a insatisfação pessoal longe. Era uma certeza insana, ela sabia disso, mas era inevitável sentir-se inferior, bastava que o homem que escolhera olhasse para outra mulher. Desejou profundamente ser enganada, trocaria todas as razões por essa ilusão, tudo é melhor que sentir esta amargura. Mais uma vez se sentir a mais feia das flores, mais uma vez aquela certeza de que é dela que comentavam na mesa ao lado aquela noite no bar. Sim, não adiantava se enganar, agora era mais claro. Seu andar era engraçado, ela se quer sabia gesticular enquanto falava sobre suas idéias, tudo em si parecia tão ridículo. A moça gorda ouvia as músicas e tentava voltar para onde estava antes de ser tomada pelo desespero da insegurança. Tentava se entregar a melodia, mas quando abria os olhos via a fotografa bela, de olhos fechados, degustando aquela voz que cantava só para sua beleza. A moça sofria cada instante daquele show. Pensava que se ao menos alguma coisa nela fosse só dela, alguma virtude, mas nada do que possuía lhe parecia bom. Queria acreditar que essa sensação pudesse ser passageira, mas não surgiu agora, apenas foi descoberta pela ocasião. “As músicas, sim, nelas existe tantos ensinamentos”, pensava. Então seu amor lhe disse “não adianta o mar, e nem a sua dor”, “será que ele me entende? Será que ele já sentiu isso?” (ela pensava), “não tenho pressa, mas tenho um preço”. Sim, um preço, todos têm um preço. Mas é tão nítido que ninguém se quer imagina o que é se sentir tão insegura, não tem como reagir. O que importa? “O que importa é que ninguém morreu por mim”. Ele sabe o que é ter uma dor, ele também sente uma dor pessoal. Ele tem razão, nada importa. “Só tenho o que me falta e o que me basta”... Como esta música comoveu a moça gorda, ela não consegue conter, chora tão facilmente. Entregou-se para a ilusão, evitou a dor e o que ela pode trazer de bom, seu amor lhe ofereceu um ópio e ela aceitou, e assim afastou os espinhos de seus medos, preferiu a poesia deles, preferiu ver a beleza de seus monstros, este é o único consolo que ele pode te oferecer. O cantor lhe afagou mais uma vez com sua voz, ela chorou enquanto ele dizia-lhe “para que chorar?”. O perigo de uma verdade afastou-se dela sob a espada de uma beleza poética, a mesma que impede a moça gorda de ser bela e ser mais que uma moça triste.

2 comentários:

Cami Silveira disse...

amei esse conto! a descrição dos sentimentos é densa e os trocadilhos com a letra da música ficou muito criativo.
poderia usar mais pontos, virgulas e parágrafos para o texto ficar mais claro, não sei, não sou uma boa escritora, mas algumas partes ficam confusas por causa disso.

bjs

Baco disse...

Sensações humanas que por algum motivol, em alguma época sentimos de não ser visto, desejado, aplaudido. Por vezes os cantores cantam a solidão de alguém ao até mesmo as suas nós as guardamos como se fossem nossas e assim seguimos. A mulher gorda é bela e talvez a mais bela de todas por ter carinho nos sentimentos, amores intensos, um olhar sempre sequioso de prazer, a pele fresca para as caricias e o hálito sempre morno úmido desejoso e é pena quela ela não se sinta assim tão maravilhosa.

Adorei seu conto!