Asas

Nunca gostei muito das fábulas que comparam animais a seres humanos, trazendo em seu fim uma bela lição de moral que salienta o valor da vida. A vida não é boa, acredito nisso. No máximo é contornável, suprimível, superável. De bom a vida só oferece ilusão, sonhos, prazeres fugazes. Contudo soube de um inseto que me fez, por puro vício, lembrar-me do formato de uma fábula e pensar na vida, na humilhante condição de estar vivo, basta um olhar sensato e racional para se lembrar da insignificância da existência.
Dizem que um certo tipo de inseto alado vive uma situação bastante peculiar. Inconsciente de sua anatomia ele usa suas asas para se locomover de um lugar para o outro, com uma rapidez estúpida, mas necessária à sua condição. Em determinado momento de sua vida, suas frágeis asas se desprendem de seu corpo e o inseto passa a rastejar, se não se adapta a nova condição morre, se se adapta, muda completamente seu ambiente e passa a uma existência completamente diferente da de pouco tempo antes de sua transformação. Vive uma metamorfose rápida e inevitável. Animal sem razão, por puro instinto passa a viver em solo constantemente, mas seu organismo permanece a emitir os mesmos impulsos elétricos, as mesmas ordens para as asas perdidas, e todo o corpo não entende que não voa mais, que rasteja, que é agora presa fácil de outros animais. E assim, a vida do inseto se prolonga mais alguns dias, chegando a atingir semanas. A ignorância que prolonga a vida.
Penso na vida. Por que razão se prolonga tanto? Por nenhuma, nada há, eis a verdade. Acontece que mesmo sem asas permanece o impulso de viver. Semelhantemente fazem os seres humanos. Alimentados pela ilusão permanecemos cotidianamente a emitir os mesmos impulsos elétricos que nos move. Todos os tipos de ilusão florescem no jardim da consciência; religião, amor, vaidade. Tudo é razão de viver, tudo move quem não quer acreditar que não tem para onde ir. Tomados pela cegueira da vida, dedicam sua existência a valores nada significativos a não ser no contexto imaginário do pobre ser. Os dias se perdem na construção da amizade perfeita, se perdem na conquista do céu. A felicidade é um placebo!
Então, nos faltam as asas ou nos sobra vida? Acredito nas duas coisas, mas sei que perdi a muito tempo minhas asas e não sei direito qual é o meu tempo de vida, portanto que me resta além dos prazeres fugazes? Os que me julgam não sabem da verdade, mas eu sei, nada há além do meu prazer, nenhuma asa, só vontade. Então quero o sumo disso tudo, quero cada gole, cada gota, cada cheiro, sabor e textura, quero carne, a carne crua. Só ela é real.

4 comentários:

Cami Silveira disse...

muitoooooo... foda esse texto.... há vida? meu deus há vida?...
somos comprimidos por um padão que, se não nos enquadrarmos não pertencemos a este mundo..... mas não pertencemos a este mundo... talvez um brilhante filósofo possa explicar isso tudo... mas nós vivemos!!!!!!!

Cami Silveira disse...

nos faltam as asas ou nos sobra vida? ......
sem comentários....

Cami Silveira disse...

seu blog ficou lindo nessa cor!!!
e essa foto/quadro é maravilhoso!!!!
tudo a ver contigo...
ps: tem que escrever um texto para permitir escrever no seu blog... xvwerqgh....

Anônimo disse...

Então, não só beba da taça da vida, mas coma em seu peito!!