Essa manhã demorou a acontecer.

Demorou o tempo das panelas do jantar de ontem serem lavadas e as roupas serem enxaguadas da água antiga. Demorou o banho lentamente tomado, o corpo limpo e os poros dilatados, o café da manhã aos poucos digerido e a fumaça do primeiro cigarro flutuando leve pela janela aberta. Demorou o aparato técnico ter falhado e alguns esforços inutilmente empenhados em fazê-lo prosseguir com o exercício mecânico da rotina estabelecida. Demorou também o tempo das notícias tornarem-se demasiadamente enfadonhas e repetitivas até serem por hoje rejeitadas. Demorou o esforço da leitura e a redescoberta de um conto e suas palavras. E pronto, amanheci! Amanheci hoje lendo Clarice e sua estória do “Primeiro Beijo”. Um CD antigo e Belle and Sebastian vibrando no som que falhava. Estavou mais uma vez vivendo uma rara manhã, ainda que as horas já estejam em avançada marcação no tempo do relógio. Desde que acordei, só agora fui amanhecer. Olhei para a fotografia do garoto em meu colo e o singelo beijo, então uma terna idéia me ocorreu, o garoto está virando homem. Já não lhe empolga os brinquedos com que antes eu lhe presenteava, agora é preciso pensar em outra coisa para enviar. “Quem sabe ele possa se interessar por ler e ouvir música?!” Pensei em uma caixinha preciosa recheada de segredos escondidos para presentear o garoto que a pouco era um menininho. Estava amanhecendo, ainda que o tempo do relógio anunciasse às treze horas. Apenas depois desses acontecimentos fui despertar para o dia que inicia todas as semanas.

Um comentário:

Rodrigo disse...

tem dias que até o sol tem dificuldade de amanhecer.
O que esperar então de nós, conscientes de nossa finitude e com a indelicadeza dos relógios a nos apressar?