A aranha e a estudante de antropologia


A aranha olha a estudante com seus olhos e pernas longas. Caminha numa esquisita elegância pelos livros da prateleira até alcançar o calendário lunar pregado na parede, cola uma parte de seu fio e salta em direção a outro livro. Encontra uma lata, um porta-retratos. Alcança a mão francesa e salta de novo em direção ao recorte ao lado. Ela é veloz, atravessa as coisas com seu jeito de se locomover, e ao capturar a atenção da estudante – entre a fumaça do incenso e dos cigarros – faz-lhe ver ao redor sua mutação, tirando das coisas seus significados. Um mundo naquele quarto: de livros, de objetos, de porta-retratos. O calendário marcado pelos dias já passados: aniversários, reuniões, aulas e seminários, protestos, menstruações, pizza, uma homenagem ao professor falecido no semestre passado. Ela vê a aranha tecendo uma transparente teia entre seus objetos, vê sua trilha entre a foto onde está toda a família e a antiga lata onde guarda seus remédios. É complexa a sequência dos movimentos de tecer dessa aranha, que liga distâncias, desejos, planos, madrugadas de sonhos estranhos. À imagem do índio assustado ela liga o livro que fala sobre a dominação do macho, à lembrança dos parafusos sendo pregados ela liga a forma como os livros foram ali arrumados. Pela disposição das coisas ela vai criando uma invisível teia de significados. A aranha que trabalha pelo seu alimento futuro e a estudante que não se cansa de encontrar os infinitos sentidos tecidos por aquele rastro.

Nenhum comentário: