Esperando o amante chegar ela consegue confundir seus passos ao ouvir os estranhos ruídos da antiga vitrola, a música é suave e perfeita, geniais dedilhados em finas cordas afinadas. Ela fecha os olhos e sonha com tais passos, lentos – na rotatividade do disco – subindo firmemente degrau por degrau, tão ansioso quanto ela, tão obstinado ao encontro quanto sua amante, já banhada e perfumada para receber o primeiro toque. Assim ela passa longo tempo, de olhos fechados, sentada na poltrona, na posição mais bela.
Esperando-o ela não pensa em mais nada, apenas em como quer ser vista por ele quando este abrir a porta, a ansiedade lhe aumenta o desejo, a espera aguça sentidos, o cigarro esquecera de tragar, a cinza já está imensa na extremidade dos dedos. Uma das mãos, pousada na perna, aperta instintivamente a pele e desliza em direção ao seu sexo, encontra-o quente e molhado, o dedo treme, insiste com desejo profundo de encontrá-lo em algum lugar sujo de sua memória segurando-a pela cintura. De olhos fechados ela não contém seu delírio, quer sentir prazer, preparara-se para isso, sem sair da poltrona seu corpo contrai-se incessantemente, seus pensamentos ainda estão na escada e no ruído dos passos que as caixas de som ecoam.
Pára, abre os olhos, pode esperar mais um pouco.
Ela implora pela chegada de seu amante, úmida de tanto esperar, suada de tanto se contrair. Tenta se conter, é melhor esperar, acredita que mais alguns minutos e poderá ouvir lhe baterem à porta, contudo ninguém chega. A espera é prazerosa, mas inquietante, seu corpo clama por ser tocado, a ansiedade lhe faz imaginar as mais deliciosas forma de recepcionar alguém, ela delira, delira enquanto espera. Acende uma ponta esquecida cinzeiro, contem-se, acalma-se, “é preciso não divagar demais” pensa ela, mais um pouco e ele chegará. Seu desejo é tão grande que o próprio toque, exato, seduz a amante em espera.
O cigarro apagado, a guimba jogada no cinzeiro, a vontade desesperada, tudo lhe lança a outra mão ao seio, busca-o pele à pele, rejeita a blusa tão cuidadosamente escolhida para o encontro, ela já está quase nua, a saia largada no chão, o mamilo clamando mais dois dedos, o calor fumegante...
Acalma-se, pode esperar só mais alguns minutos, em breve ele chegará. Entretanto ninguém bate à porta, o tempo passa, os ponteiros movem-se, levanta-se, vai à janela, a esquina em que ele viraria está vazia, à noite as ruas estão desertas, seu coração desola-se e quase desiste de esperar. Quase nua caminha pela casa, decidida a esperar só mais um pouco, quem sabe ele chega e encontra-a assim, sem as vestimentas, esperando-o. Eleva o braço para pegar a roupa jogada e observa sua própria mão, tão cuidadosamente adornada, percebe o espelho distante, seu reflexo turvo, repara na própria cor, no colar tocando o seio, as formas de seus quadris, encanta-se com sua própria beleza, caminha em direção àquele espelho e lhe encara como se ali visse alguma desconhecida, os olhos atentos à bela imagem, o lado das costas tatuado, as unhas pintadas, anéis, brincos e colares! Então, inundada de vontade entrega-se a um passeio pelo próprio corpo, com suas mãos desnuda-se completamente, dedica-se a si mesma e à busca de um prazer que ninguém mais saberia lhe dar. Calada, gozou sozinha.
4 comentários:
Natali,
é bom ler suas coisas e nelas ver sua evolução como contista.
Não sei ao certo o que falar deste, mas palavras são trapaceiras quando a questão é sentimento.
E eu senti muito bem estar na pele dessa pessoa que espera.
e que na espera entrega-se a si mesma, caminho mais rápido de satisfazer-se e de reconhecer valor no prazer de se estar viva.
parabéns, amiga, sua escrita está maravilhosa.
A delícia é saber que a gente até pode esperar por eles, mas pelo prazer não precisamos por eles esperar! rs
vc não tinha postado isso já??
Instigante pra caralho esse conto.
Muito bom este conto e seu estilo de escrever contos eróticos...sensual e sutil, além de muito poético, como deve ser um conto desse estilo...Parabéns!!!Tmos uma grande escritora. Beijosss
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