Anoiteceu e ela preferiu o abraço dos lençóis - fiéis portadores daquele cheiro que tanto gostava - à rua úmida e escura. Sua casa, de antiga arquitetura grandiosa, abrigava-lhe em tom de refugio. Aqueles impulsos que lhe lançavam à noite para perambular distraída à procura de qualquer coisa que lhe valesse agora não lhe encontravam mais submissa. Agora a moça era vontade peculiar, sutil. Compreendia algo sobre a vida: que ela se movimenta como ondas sucessivas no mar, num eterno retorno. Acalmava-se ao ver o mar movimentando-se, nele encontrava paciência. Por isso freqüentava a praia, para ver algo que lhe transmitisse alguma compreensão, não respostas, pois sabia que não existem perguntas possíveis, apenas uma suave sensação de que lá, diante do mar, estava também perto de vida espontânea e exata, que não se pergunta demais, apenas prossegue. Ela estava tentando apenas prosseguir, desconfiada de que de algum jeito sua paz fosse possível. Por isso não quis sair de casa naquela noite, para não gastar sua sapatilha curiosa por lugares frios e vãos. Nos espaços vazios do antigo abrigo, com aquele cheiro distribuído pelas roupas, conseguiu acalmar a ansiedade e esperar que a próxima onda de teus dias trouxesse consigo alguma delícia que lhe fizesse valer o peso de existir em si mesma. Ela que ainda não tinha um lugar para ir.

3 comentários:

Fernanda Tatagiba disse...

muito forte isso....

Priscila Milanez disse...

Lindo.

Rodrigo disse...

Você vai chegar lá, eu tenho certeza disso. Prese atenção no mar.