Desesperada por nascença

Desesperada por nascença, nasci faltando 15 minutos para meia noite, na noite de natal. Sabia, ainda enquanto feto, que não seria nada bom nascer naquele dia, dia do nascimento do salvador, o que eu poderia fazer, naquele dia? Como dividir uma data com Jesus Cristo? Mas meu desespero em nada ajudou, ao contrário, só fez um bando de bêbados ter que sair, desesperados, correndo atrás de táxi para levar mamãe até a maternidade. E assim nasci, no desespero por nascer, causando desespero. Cheguei fazendo caos, e o resto dos dias não foram diferentes: desespero no présinho, brigando com as crianças que não queriam dividir os brinquedos da tia, desespero nas primeiras séries quando roubava lanche de outras meninas riquinhas e mimadas e egoístas que eu já novinha sabia odiar, desespero na feira de ciências quando a diretora ficou sabendo da intenção de embriagar a galera ao tratar do processo de destilação da cachaça – “era só amostra da bebida diretora, para ilustrar”, mas ela não ouviu e ligou desesperada para meus pais que foram desesperados na escola saber que a filha andava aprontando. Daí imagina o que poderia eu fazer, me desesperar e fugir de casa pela janela porque eles tentaram me trancar para ver se eu me acalmava, mas não adiantou, fugia a noite para rockear. Desesperada causa desespero. Na faculdade o desespero era para me manter, a família já sabia que daquela menina desesperada não se podia esperar muito bom senso, então foi um desespero para me virar. Porque quando a filha quer sair de casa precisa descolar o ganha pão, filha de família que não casa, papai e mamãe não gostam disso não. E foi um desespero pagar o aluguel, desespero que sempre se estendia na mesa do bar, desespero em querer logo me embriagar e depois ter que sair correndo desesperada sem pagar a conta porque havia me esquecido, não tinha grana. E o namorado, coitado, tendo que dar banho na desesperada que não quer parar de beber. Desespero também na cama, vai dar conta de uma desesperada... E o desespero é tão dominador que ia aos pensamentos, arrancando cabelos preocupava-me com as mulheres que não se desesperavam com os homens que as diminuíam a um corpo usável. Ai que esse desespero chegou nas aulas de sociologia, quando um outro desesperado não quis ouvir o trabalho sobre movimentos feministas, foi um desespero (coitada da professora) de “vão todos tomar no cú, bando de machistas” e saí correndo chorando desesperada porque ninguém se interessava pelo desespero que aquilo me causava. Desnecessário, diriam, mas quem não se desesperaria diante de tanta violência? Eu me desespero. Tanto que as vezes acho que ninguém se comunica, ou então são todos muito cruéis – tento ficar com a primeira hipótese. Só que daí vem mais um desespero, preciso me comunicar. Como? Desesperada por nascença saio falando um monte para quem quiser ouvir e mais desespero causo. Falo falo falo e nada digo ou ninguém ouve, e me desespero. Meu estômago, em meio a tanto desespero, só se contrai e vai abrindo um buracão que deixa o médico desesperado “como uma pessoa tão nova se desespera tanto a ponto de cultivar uma gastrite aos vinte anos?” e eu respondo: “é que nasci no natal doutor, isso me desespera”, o médico só ri, eu também gargalho, mas em meu âmago eu sou a única que sabe o que tanto desespero causa, não é engraçado ser assim, é desesperador e dói, dói muito, dói tanto que me lanço a uma desesperada alternativa, digo para mim “viver sozinha”, mas meu desespero é também pela vontade de amar, saio desesperada atrás de quem saiba ser amado com tanto desespero, raramente dá certo, quase nunca dura muito. Mas meu desespero é também necessidade. E eu continuo, não mudo, não me isolo, bagunço tudo, desespero o mundo a minha volta. Fico pensando, será que um dia esse desespero passa? Acho que não. Daí me desespero mais ainda e vou para o bar, o outro que aquele estou devendo. Vou beber e tentar esquecer tanto desespero, e sempre termino a noite assim: desesperada no outro dia tentando lembrar como consegui causar tanta bagunça entre os amigos numa noite só. E respondo para mim mesma “sendo tão desesperada, oras!”

7 comentários:

Rodrigo disse...

Desespero é a irmã gêmea de Desejo, lembra?

Blog dos alunos Allan Diego Brito, Matheus Bolognini e Danilo Ferraz da Disciplina: LABORATÓRIO: REVISTA Turno: NOTURNO. Professora ANDRESSA ZOI NATHANAILIDIS disse...

saudade,vontade,needs,wishes........vai rolar de eu pagar a sua cerveja depois de um dia seu de trabalho...
alguns fins-de-semana vão vir e ninguém vai poder fugir.eu volto e te abono de beijos,mi querida !

to com uns filme do Almodovar(???) pra gente ver (de tão relax que to) e uns sons que posso deixar pra sandrex te entregar...
é isso !beijos de alegria que nunca senti antes!!!

ps:dividir o nascimento com jesus cristo é uma honra e eu que divido com a mala do Phil Collins.....

Cleice Souza disse...

Quase me desesperei com o texto.
Gostei muitooo das palavras desesperadas. Ótimo o seu blog.
( Passearei mais por aqui.)

:)

Thalita Covre disse...

Ok, confesso que não leio textos grandes, a não ser os do Caio Fernando Abreu, mas ele não conta, ele é icone.
Ou não.

Mas a questão é que o texto, mesmo tendo suas pontuações bem colocadas, possue o tempo do desesperado. Como se todos lessem, imagino eu, num só fôlego. Foi assim que li. Gostei muito, apesar de ter pensado num final com morte, hehhe, é desesperador.

E gostei muito disso aqui, moça: "E o desespero é tão dominador que ia aos pensamentos, arrancando cabelos preocupava-me com as mulheres que não se desesperavam com os homens que as diminuíam a um corpo usável." Tão seu, tão meu.

Linda!

Priscila Milanez disse...

Algumas pessoas, querida, não nascem pra amenidades! Ainda bem!

Demais esse texto, Natalti!

Alma Coelho disse...

ô nega,
linda...
me abraça e se acalma.
te amo.
Je

Vera Helena disse...

Quase me desesperei ao ler seu texto...mas porque ficou muito bom. Desesperada pensei: como uma pessoa que escreve tão bem pode ser assim tão desesperada rsrsr...Adorei este pedaço... E o desespero é tão dominador que ia aos pensamentos, arrancando cabelos preocupava-me com as mulheres que não se desesperavam com os homens que as diminuíam a um corpo usável....
Seu blog continua lindo.
Beijosssss