E foi quando ela não conseguiu mais sentir no pé a dor dilacerante do sapato novo comprado que decidiu parar e se sentar no primeiro lugar possível. Viu a alguns passos de distância uma mesa com duas cadeiras, talvez anteriormente, ali tenha estado um casal, temia sentar-se nesta mesa, sabia de seu próprio vício em imaginar por horas o que poderia ter acontecido ali, os sentimentos vividos. Estava melancólica e só desejava o fim da dor no pé e o silêncio da mente imaginativa. Sentou-se e pediu para o garçom retirar uma das cadeiras. Ele o fez sem demasias, num ato de obediência instantâneo. Ela retirou os sapatos dos pés, olhou ao seu redor e percebeu que estava em um simples restaurante, também dotado dos atendimentos de um bar. A sua frente uma igreja, de aspecto barroco, cheia de imagens de santos e santas, anjos em enfrentamento com demônios, tudo de uma beleza elaborada, lindo inclusive diante dos maiores desdéns à beatitude. Da cadeira em que estava dava para ver a imagem de uma santa, não saberia identificar qual, lembrava-se que quando criança viu chegar à igrejinha da pequena comunidade interiorana de sua infância uma imagem semelhante àquela, uma representação de Nossa Senhora Rosa Mística em cujo peito carregava três rosas de três cores diferentes representando seus três milagres. Pensou novamente no casal que estivera sentado ali. Talvez tenham olhado para dentro da igreja e tenham pensado em seu futuro conjugado, talvez, em promessa de amor eterno tenham decidido concretizar seus votos diante dos santos e santas. Quem sabe a decoração de sua festa seja de rosas, em homenagem à santa que lhes inspirou. Pensou em escrever, entretanto rememorou o desejo de não devanear estórias sobre as vidas dos outros, precisava pensar em si mesma, em sua própria vida. Precisava dedicar-se às coisas práticas do cotidiano de uma mulher, como comprar um sapato novo.
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